SEGURO DE VIDA - QUATRO SITUAÇÕES DISTINTAS - Por Antonio Penteado Mendonça (*)
O contrato de seguro é um contrato com características especiais específicas, que o fazem único e gerador de consequências não necessariamente iguais para as pessoas envolvidas, ainda que decorrentes de um mesmo evento.
Para explicar melhor, tomemos o tradicional e conservador seguro de vida em grupo e uma situação hipotética na qual um tiroteio entre bandidos e policiais acaba resultando na morte de um bandido, de um policial e de um cidadão atingido por uma bala perdida. Supondo que os três tinham apólices de seguro de vida, veremos que os efeitos do evento não serão os mesmos no pagamento das indenizações para os beneficiários de cada um dos mortos.
Começando pelo bandido, pelo criminoso que enfrentou a polícia à bala e no meio do tiroteio foi atingido por um tiro e faleceu. Sua seguradora não tem que pagar a indeni-zação. E não tem por uma razão lógica: o criminoso entrou num tiroteio contra a polícia, praticou um ato doloso, contrário à lei, e ainda por cima agravou deliberadamente o risco, na medida em que, em um tiroteio, as chances de se levar um tiro e falecer em função dele aumentam exponencialmente.
Neste caso, entre os vários argumentos existentes, a principal razão para a seguradora não indenizar é o fato do segurado haver praticado um ato doloso ao envolver-se num tiroteio com a polícia, em flagrante violação da lei.
A maioria das apólices de seguro de vida em grupo tem exclusão expressa em seus clausulados para situações como essa, mas, ainda que não estivesse no escrito no contrato, tal fato não seria um impeditivo para embasar a recusa de cobertura, uma vez que o artigo 762 do Código Civil determina que será nulo o contrato para garantir ato doloso do segurado.
Reforçando a posição da seguradora pela negativa da indenização, não há como negar o agravamento do risco de morte de qualquer pessoa que deliberadamente entra num tiroteio. Mais uma vez é o Código Civil, no artigo 768, quem determina a perda de direito à indenização nos casos em que o segurado agravar intencionalmente o risco. Há que se reconhecer que alguém que entra num tiroteio com a polícia sabe o que está fazendo e que a ação é intencional.
Mas se o criminoso perde o direito à indenização, em função do tiroteio com a polícia, o policial que perdeu a vida, no nosso exemplo, tem a garantia do pagamento da indenização do seguro preservada, ainda que sua morte resultando de troca de tiros com criminosos.
Em primeiro lugar, o policial estava no exercício regular de sua profissão, ou seja, ele não estava praticando qualquer ato doloso. Ao contrário, o tiroteio entre policiais e bandidos normalmente tem por objetivo justamente impedir a ação dos meliantes e a consumação de um crime.
Além disso, a seguradora do seguro de vida do policial, no momento da contratação da apólice, foi informada da profissão do segurado. Assim, ela não pode alegar agravamento do risco no caso dele perder a vida num tiroteio com criminosos.
Finalmente, o cidadão atingido por uma bala perdida, em função do tiroteio entre a polícia e os bandidos. Sua morte gera o dever da seguradora pagar a indenização do seu seguro de vida aos beneficiários. Nem poderia ser diferente, já que ele não cometeu nenhuma ação ilegal, não estava envolvido no tiroteio, nem agravou o risco. Sua morte foi consequência de uma fatalidade, do fato de estar no traçado de uma bala perdida em um tiroteio entre policiais e criminosos.
Vale ainda dizer que as regras acima se aplicam também ao seguro de acidentes pessoais e que, no caso desse hipotético tiroteio, o seguro indeniza as mortes do policial e da vítima da bala perdida, mas não paga a indenização pela morte do criminoso.
Apenas para completar o quadro no qual a morte por assassinato pode ou não gerar o dever da seguradora pagar a indenização prevista no seguro de vida, nos casos em que o beneficiário do seguro tem participação dolosa na morte do segurado (participando do crime como autor ou como mandante), ele perde o direito ao recebimento da indenização.
Aliás, a mesma regra rege o direito à herança. Todavia, se a apólice indicar outros beneficiários — e, na falta dele, herdeiros — que não tiveram qualquer papel na morte do segurado, estes têm o direito de receber sua parte da indenização.
(*) Advogado, sócio de Penteado Mendonça Advocacia e presidente
da Academia Paulista de Letras.
TRIBUNA DO DIREITO - JULHO DE2014
SEGUROS
Antonio Penteado Mendonça
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